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No Rio, cerca de 7 denúncias de violações patrimoniais contra idosos são feitas por dia ao Disque 100

A polícia pediu, na quinta-feira, a quebra de sigilo bancário do idoso Paulo Roberto Braga, de 68 anos, que teve a morte confirmada numa agência bancária em Bangu, no Rio de Janeiro. Ele foi levado até lá na terça-feira por Érika de Souza Vieira Nunes, de 42 anos, que tentou fazer Paulo assinar um documento para sacar R$ 17 mil de empréstimo, aprovado pelo banco. Para a polícia, não há dúvidas de que a mulher sabia que o idoso estava morto no momento em que ele teria assinado o documento.

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Também na quinta-feira, a 2ª Vara Criminal da Regional de Bangu converteu em preventiva a prisão de Érika Nunes e negou o pedido da defesa para prisão domiciliar. Na decisão, a juíza Rachel Assad da Cunha observou que “o ponto central dos fatos não se resume em buscar o momento exato da morte (de Paulo)” e que “salta aos olhos e incrementa a gravidade da ação (…) que, em momento algum, a custodiada (Érika) se preocupa com o estado de saúde de quem afirmava ser cuidadora” demonstrando que seu “ânimo (…) se voltava exclusivamente a sacar o dinheiro”. Érika está no Presídio de Benfica, na Zona Norte, mas será transferida, nesta sexta-feira, para o Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste.

Apesar de o caso ter sido registrado como vilipêndio ao cadáver e fraude, idosos são as maiores vítimas de violência patrimonial ou de golpes financeiros no país. No município do Rio, nos três primeiros meses deste ano, foram denunciadas 2.301 violações contra idosos ao Disque 100. Delas, 625 eram sobre violações patrimoniais, 53 a mais do que no mesmo período de 2023. É como se cerca de 7 denúncias relacionadas a essa violação fossem feitas por dia na capital.

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— Os idosos são as maiores vítimas de violência patrimonial. Eles passam as mulheres em números de vítimas. Em termos de porcentagem, a violência patrimonial sofrida por pessoas com mais de 60 anos, que estão enquadradas no Estatuto da Pessoa Idosa, alcançou um número de 54,8% (dado de 2022, também da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos), ao passo que o equivalente às mulheres seria de 28,2%. Isso se deve principalmente à vulnerabilidade. Os idosos são mais suscetíveis a serem enganados e, mesmo que não haja uma violência física, há violências que diminuem sua capacidade de aquisição e administração de bens — explica Amanda Gimenes, advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões.

Os estelionatos também continuam sendo crimes recorrentes contra os idosos. Em 2023, segundo dados do ISP, foram 29.956 registros de estelionato contra idosos (60 anos ou mais). O número representa uma pequena redução, de 0,95%, em relação a 2022. É praticamente um golpe a cada 17 minutos, em média.

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Para o defensor público Valmery Jardim Guimarães, do Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa (NEAPI), o número de golpes contra idosos tem sido alto, porque a população, como um todo, está se tornando mais idosa.

— Há um estado de vulnerabilidade maior porque a população está mais idosa. Aqueles que vivem sozinhos, têm problemas de saúde, transtornos mentais são ainda mais suscetíveis a golpes, ao abandono, à utilização indevida de seus patrimônios por terceiros. As facilidades para empréstimos ou financiamentos são imensas, os idosos são abordados nas ruas, conduzidos até agências clandestinas, até por parentes, amigos, pessoas que já conhecem as debilidades do idoso, então são alvos fáceis.

Tentativas de crédito

Segundo o delegado Fábio Luiz da Silva Souza da 34ª DP (Bangu), que investiga o caso de Paulo Roberto Braga, entre os dias 15 — quando o idoso teve alta da UPA onde estava internado há uma semana — e 16 de abril, Érika esteve com ele em três instituições financeiras em busca de crédito. Segundo os investigadores, o acesso às informações e ao histórico bancário da vítima — como dados pessoais, movimentações financeiras, saldos, extratos e investimentos — vão ajudar a montar um perfil de Paulo Roberto. De acordo com testemunhas ouvidas pela polícia na tarde de ontem, o idoso, que não era casado e não tinha filhos, ficava com os próprios cartões e tinha controle de suas contas bancárias. Um dos depoimentos neste sentido foi o de Rafaela Souza, irmã de Érika.

O delegado acrescenta ainda que, até o momento, nenhum parente desvinculado a Érika se pronunciou:

— Vamos buscar informações de quantos empréstimos havia, se foram realizados outros em nome dele, outros financiamentos, ou seja, qualquer tipo de movimentação que tenha saído da conta dele. Mas, também, vamos buscar ouvir outras testemunhas que corroboram o estado dele dentro do shopping, como ele estava. Por enquanto nenhum parente apareceu. A gente já buscou e não aparece. Qualquer parente que aparece dele é vinculado a Érika.

O atestado de óbito informa que o idoso morreu entre 11h30m e 14h30, mas a polícia busca investigar, ainda, o que aconteceu antes desse horário na terça-feira. Na última segunda-feira, dia anterior à morte, Paulo recebeu alta da UPA de Bangu, onde estava internado há uma semana com pneumonia. No prontuário hospitalar, consta a informação de que ele chegou à unidade com dificuldade de andar, de falar e com pressão baixa. No hospital, o idoso precisou de aparelhos para ajudar na oxigenação.

Na evolução de Paulo, feita no domingo, háo registro de que ele havia “apresentado engasgos, mantendo alimentos na cavidade oral”. Além disso, ele estava “desorientado, pouco responsivo e com pouca interação com o examinador”. O registro de engasgos é recorrente em todo prontuário desde o dia 8, quando o idoso chegou na UPA.

De acordo com o delegado Mario Luiz da Silva, da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade, muitas vezes as pessoas orientam idosos sobre golpes de terceiros, mas podem descuidar com conhecidos:

— Os criminosos, quando são externos, via de regra, praticam golpes como o do empréstimo consignado, já bastante conhecido pela população. Contudo, o foco no externo pode deixar passar batido aqueles cometidos por pessoas próximas, como amigos e família. As pessoas próximas, até por conhecerem o idoso, podem se aproveitar mais facilmente do desconhecimento deles sobre as operações bancárias, por exemplo.

Crime previsto em lei

Segundo o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), é crime receber ou desviar bens, dinheiro ou benefícios de idosos. A Defensoria Pública do Rio registrou, recentemente, casos que mostram que, muitas das vezes, os crimes são praticados por pessoas da confiança das pessoas. Foi o que aconteceu com uma idosa que, ao ser internada com Covid-19, deixou com uma mulher que conhecia há mais de 30 anos seus cartões do banco. Quando teve alta médica e retornou para casa, a idosa descobriu que a suposta amiga tinha feito saques, empréstimos, transferências e pagamentos em seu nome. Os prejuízos chegaram a R$ 245 mil.

Em outras situações, até atitudes dos filhos podem entrar na classificação de violência patrimonial ou financeira. A advogada Amanda Gimenes explica:

— Não é incomum os filhos internarem os pais em casas de repouso para ali terem um gasto fixo e usar o restante do dinheiro. Há casos também casos em que os filhos deixam de comprar cadeiras de rodas, medicamentos ou outros itens que poderiam ser usados para cuidar da saúde dos pais e guardam o dinheiro que, no futuro, vai ser partilhado em inventário. Masa questão da violência patrimonial contra idoso está prevista no artigo 102 do Código Penal. A pena de reclusão é de um a quatro anos e multa. E se a idosa for mulher, ainda temos a Lei Maria da Penha. Se uma mulher sofrer violência patrimonial, pode-se recorrer além do Estatuto do Idoso ao Estatuto da Violência Doméstica.

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Redação

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