Os últimos meses foram marcados por confusões, as mais variadas, no centro do poder. Desde o momento em que o país entrou em estado de calamidade, em 20 de março, assistimos a uma sucessão de fatos, decisões e comentários governamentais que seriam cômicos, verdadeira novela mexicana, se não tivessem sido disparados em meio a uma trágica pandemia.

No fogo dela saiu o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que foi substituído por Nelson Teich, de curta jornada e que, por sua vez, jogou a toalha ainda quando o Brasil tinha menos de 14,5 mil mortes; hoje não temos ministro da Saúde, e já são mais de 65 mil. Declarações e atitudes infames, mas fortemente simbólicas, como a multiviralizada “gripezinha”, as saídas sem máscaras para selfies e para comer pastel na padaria da esquina, abraços de urso, como o recebido pelo presidente do megatrapalhão Abraham Weintraub, governadores desgovernados numa nova babel, tudo num mesmo momento para complicar ainda mais o que já era monstruosamente perigoso. Um show de ineficiência e fartos exemplos de má gestão, que lamentavelmente resultaram em gastos estrondosos e mortes.

Agora, uma coisa ninguém pode negar: além de taticamente mergulhar-se nas últimas duas semanas, o que tem contribuído para a mídia esquecê-lo um pouco, Bolsonaro pelo menos agiu rápido e acertou ao demitir o falso substituto de Weintraub. Ficar alegando que cabia ao Palácio, ao GSI, à PF, ao cartomante, ou a quem quer que fosse, confirmar se eram verdadeiros os cursos declarados por um profissional, em seu currículo, até publicamente na plataforma Lattes, era demais. Mas tamanha cara de pau mostrou que o brasileiro se acostumou com a fraude, mesmo inaceitável, porque sua descoberta só foi possível diante da reação do reitor da universidade argentina à mentira de “Decô”; iria passar despercebida, e ele já estaria surfando no Ministério há semanas. A falsificação, a adulteração de dados e a falsidade ideológica são ilícitos previstos no Código Penal brasileiro. Mais grave ainda quando cometidos por um postulante ao cargo de Ministro da Educação. O plágio de extensos trechos de dissertações incorporados às suas propostas de tese, fazer constar no seu currículo que possui doutorado e pós-doutorado, gerando, em contrapartida, um constrangimento para o Brasil na pronta contestação das universidades da Argentina e da Alemanha, respectivamente, da sua frequência nos dois cursos. Tudo isso, alegremente.

Não é possível que neste país tudo tenha que ser checado, que tenhamos que viver com lupa em mãos, desconfiando sempre, porque aqui imperam a malandragem e a trapaça. Sim, porque o mínimo que se pode esperar de alguém que ocupe um cargo público, de ministro de Estado, é que aja com a verdade ao menos em relação às suas referências pessoais e ao seu histórico.

Contudo, do acontecido, ainda que parte da mídia trate o episódio como um ato de perseguição ao falsário, alguns tentando torná-lo vítima, o sorridente e cínico Decotelli já se foi, tarde, e marcado para sempre pela sua malsucedida aventura. Bolsonaro liquidou a fatura e agora procura alguém sério, com credenciais, para ser ministro de tão importante pasta. Nada mais de passar vergonha e ser um deboche diante do mundo.

Fonte: Artigo de Luiz Tito veiculado pelo jornal O Tempo, pág 2, em 07.julho.2020