Jogo Sujo

Decisão do STF abre caminho para investigações mais aprofundadas sobre a gestão da pandemia e possíveis crimes relacionados à COVID-19

A aprovação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que seja instaurado um inquérito pela Polícia Federal (PF) a partir de uma solicitação do governo, gerou reações positivas na base parlamentar no Congresso. A decisão ocorre em um momento de dificuldades enfrentadas pelo Palácio do Planalto para impedir o avanço de pautas relacionadas aos interesses dos bolsonaristas e do Centrão, como a PEC da Blindagem, que impede investigações do STF contra parlamentares sem autorização legislativa, e uma proposta de anistia que poderia beneficiar envolvidos na tentativa de golpe de Estado, incluindo Jair Bolsonaro, condenado a mais de 27 anos de prisão por liderar grupo que atentou contra a democracia.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que foi vice-presidente da CPI da Covid e atualmente lidera o governo no Congresso, considerou a decisão um “alívio”. Ele afirmou que, embora a justiça não seja recebida com entusiasmo, há um sentimento de consolo ao demonstrar que milhares de mortes poderiam ter sido evitadas, caso houvesse mais atenção ou ação por parte do governo. Segundo Randolfe, a medida representa um apelo às famílias que perderam parentes.

Ao final da CPI, Bolsonaro classifica o relatório final como “palhaçada” e reclamou dos possíveis impactos internacionais de um eventual indiciamento, alegando que a repercussão negativa prejudicaria negócios estrangeiros. O relatório, aprovado em 26 de outubro de 2021, indicou a possibilidade de indiciamento de 66 pessoas físicas e duas jurídicas por crimes diversos, incluindo crimes contra a humanidade, crimes de responsabilidade e crimes comuns. Apesar do resultado, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, não deu andamento às investigações. Com a decisão de Dino, a PF tem 60 dias iniciais para aprofundar os trabalhos e avaliar se há elementos suficientes para os indiciamentos.

Na decisão, Dino destacou que a investigação parlamentar revelou indícios de crimes relacionados a contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos e assinatura de contratos com empresas de fachada. Os crimes apontados incluem epidemia com resultado de morte, charlatanismo, falsidade ideológica, corrupção, incitação ao crime, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação. Ainda, há menção a possíveis crimes contra a humanidade, como extermínio e atos desumanos, previstos no Estatuto de Roma, com penas que podem chegar à prisão perpétua. Os crimes de responsabilidade também foram considerados, podendo resultar na perda do cargo e suspensão de direitos políticos.

Juristas renomados, como Miguel Reale Júnior e Sylvia Steiner, afirmaram que Bolsonaro violou direitos fundamentais ao promover aglomerações, desencorajar a vacinação, atrasar aquisições de imunizantes e ridicularizar vítimas da doença. Após o encerramento da CPI, seu relatório foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR). O então relator, ministro Luís Roberto Barroso, autorizou a entrega do material à PF, e, com a posse de Dino na presidência do STF em setembro de 2023, o inquérito foi prosseguido.

A investigação inclui Bolsonaro, seus três filhos, além de outros 20 nomes ligados ao bolsonarismo, como deputadas e empresários. O gabinete de Dino reforçou que a investigação pode se estender para mais pessoas além das inicialmente listadas. Diversos contatos feitos pelo Correio com os citados no inquérito não obtiveram respostas.

Paralelamente, o período de pandemia trouxe colapsos nos sistemas de saúde de várias cidades e estados, como Manaus e o Rio Grande do Sul, com falta de leitos de UTI, oxigênio, medicamentos e profissionais. A crise da falta de oxigênio em Manaus, que resultou na morte de dezenas por asfixia, foi um dos momentos mais críticos. Ainda, em 6 de abril de 2021, o Brasil registrou seu recorde diário de mortes por covid-19, reforçando a gravidade da situação.

A disseminação da variante Delta, a partir de julho de 2021, agravou o cenário com maior transmissibilidade, mesmo com os avanços na vacinação, aumentando internações e óbitos, principalmente entre pessoas ainda não imunizadas ou sem esquema completo. Logo no início, a insuficiência de vacinas e a lentidão nas negociações geraram incertezas e medo na população, com filas longas e confusão em postos de saúde. O governo, na época, ignorou propostas de laboratórios como Pfizer e questionou a segurança das vacinas da AstraZeneca, contribuindo para a hesitação em se vacinar.

A tragédia de Manaus, em janeiro de 2021, exemplificou a crise, com o esgotamento do oxigênio hospitalar e mortes por asfixia, incluindo jovens e crianças. Especialistas do Ministério da Saúde tentaram minimizar a eficácia do “tratamento precoce” com medicamentos sem respaldo científico, como hidroxicloroquina e ivermectina. Eduardo Pazuello, então ministro, responsabilizou fornecedores e o governo do Amazonas, mas foi acusado de omissão, além de o MPF avaliar uma indenização milionária por falhas na logística.

Bolsonaro, ao longo da pandemia, minimizou a gravidade da covid-19 e fez declarações controversas, incluindo comentários de deboche e afirmações de que o vírus teria sido criado em laboratório, sem evidências concretas. Diversos discursos enfatizaram a resistência à adoção de medidas restritivas e reforçaram teorias conspiratórias, contribuindo para o aumento da desinformação e desafios às estratégias de combate à pandemia.

Redação

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