Jogo Sujo

Organizações Sociais receberam quase R$ 7 bilhões do RJ em 4 anos

Entre 2016 e 2020, Organizações Sociais (OSs) responsáveis pela gestão de unidades de saúde do RJ receberam R$ 6.967.248.402,47 do governo. Os números são da própria Secretaria Estadual de Saúde, obtidos a pedido do G1.

Mas, com Wilson Witzel (PSC) momentaneamente fora do Palácio Guanabara, a Secretaria Estadual de Saúde anunciou uma “expulsão” das OSs.

O então secretário Alex Bousquet disse, no início de setembro, que tinha a meta de fazer com que todas as unidades estaduais de atendimento ao público passassem para a Fundação Estadual de Saúde dentro de no máximo dois anos.

Bousquet pediu exoneração semana passada. O governador em exercício Cláudio Castro nomeou Carlos Alberto Chaves para o cargo.

Segundo dados da secretaria, em agosto deste ano o Rio de Janeiro possuía 45 unidades geridas por 11 Organizações Sociais (veja a lista abaixo). Apenas naquele mês, as OS receberam R$ 146.218.772,10.

OSs e afastamento de Witzel

A relação da gestão de Witzel com OSs levou, entre outras suspeitas, a um “duplo afastamento” do então governador:

 A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) aceita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) — que levou ao primeiro afastamento — citava uma “caixinha da propina”. OSs teriam recolhido R$ 50 milhões.

Já o processo de impeachment na Alerj — que votou unanimamente pelo afastamento e pela continuidade do processo — fala de uma decisão de Witzel de reabilitar uma OS reprovada por incapacidade.

A cifra de quase R$ 7 bilhões para OSs em quatro anos é considerada elevada por especialistas em gestão pública e da área de saúde ouvidos pelo G1. Eles ressaltam ainda que esse modelo, adotado pelo estado em 2012, não promoveu melhorias.

Os esquemas de corrupção e fraude na gestão da Saúde desviaram, segundo a força-tarefa, pelo menos R$ 1,8 bilhão dos cofres públicos do RJ de 2007 até 2020.

Suspeitas de corrupção

As ligações entre integrantes de diretorias das OSs com o chefe do Executivo fluminense vieram à tona com os trabalhos da Comissão Especial de Saúde da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Uma delas envolvia o diretor-médico da Unir Saúde, Bruno José da Costa Kopke Ribeiro, quinto maior doador da campanha do então candidato Wilson Witzel.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral verificados pelo G1, Kopke doou, no dia 26 de outubro de 2018, R$ 75 mil à corrida eleitoral promovida pelo atual governador.

A Unir cuidava da administração de unidades de saúde desde o governo Sérgio Cabral. Em outubro do ano passado, após pareceres jurídicos da Secretaria de Saúde e da Casa Civil, a OS foi desqualificada por incapacidade na prestação de serviços médicos.

Mesmo assim, no dia 23 de março deste ano, em decisão monocrática, Witzel ignorou os pareceres e restituiu à Unir o direito de voltar a fazer contratos com o governo.

A decisão do governador foi uma das bases para o pedido de impeachment movido contra ele na Alerj.

‘Pagamento garantido’

José Sestelo, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entende que “as OSs se transformaram em avenidas largas para a corrupção”.

Para Sestelo, essa situação se estende pelo menos desde o governo Sérgio Cabral. “Basta ver que o secretário de Saúde dele, Sérgio Côrtes, também acabou preso e condenado”, citou.

O representante da Abrasco sustenta que o problema “está no modelo”.

“Pessoas próximas a políticos, mesmo sem qualquer experiência na área de saúde, entenderam que abrir uma OS e assinar um contrato com governo estadual é uma forma muito eficiente de ganhar dinheiro”, explicou.

“O pagamento é garantido e, como não existe fiscalização, também não haverá necessidade de prestação do serviço. Essa cifra de quase R$ 7 bilhões e a má qualidade dos serviços é um exemplo prático dessa realidade”, avaliou Sestelo.

OSs em lista de irregularidades

Em junho, a Controladoria-Geral do Estado havia detectado 45 irregularidades na Secretaria de Estado de Saúde do RJ.

Na lista, o 40º item apontava para a fragilidade no acompanhamento da fiscalização dos serviços prestados pelas Organizações Sociais.

“Necessidade de fiscalização da divulgação da Ouvidoria e da Pesquisa de Satisfação dos Usuários em Unidades geridas por OSs”, citou o documento.

‘Sistema podre’

Após reunir documentos de supostas irregularidades cometidas pela Saúde do RJ durante a pandemia do novo coronavírus – principalmente relativas ao contrato de R$ 770 milhões firmado com a OS Iabas para a criação de sete hospitais de campanha –, integrantes da Comissão de Saúde da Alerj chegaram a uma conclusão semelhante.

“Eu seria leviana em afirmar que toda OS, por si só, é corrupta. Mas posso afirmar, sem medo de errar, que quando há uma gestão pautada na corrupção, ali encontramos uma Organização Social”, afirmou a presidente da comissão, Martha Rocha (PDT).

“É um sistema que apodreceu e só serve para corrupção e não para atender aos ditames do SUS. Diante disso, no meu entendimento, temos que abolir as Organizações Sociais como forma de gestão da saúde”, disse o deputado Luiz Paulo (PSDB).

Prejuízo recorde

O contrato feito com o Iabas é considerado pelos parlamentares da comissão como o maior caso de desperdício de dinheiro público na área da saúde já registrado no Estado do Rio.

Dos sete hospitais previstos pelo documento original, apenas dois – Maracanã e São Gonçalo – entraram em funcionamento. O segundo, apenas de forma restrita, por muito pouco tempo e somente após quatro adiamentos.

Em depoimento prestado à Comissão de Saúde da Alerj em julho, o então secretário de Saúde, Alex Bousquet, anunciou o início do desmonte das unidades.

Na mesma ocasião, afirmou aos deputados que havia herdado um caos administrativo quando assumiu a titularidade do órgão.

“O Rio poderia ter gasto apenas um sétimo do acordo firmado com o Iabas para deixar o estado preparado para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Esse contrato foi o maior absurdo que já vi”, avaliou o deputado Luiz Paulo.

Derrama das OSs

O primeiro movimento para a “expulsão” das OSs ocorreu no último dia 4, quando Bousquet anunciou que a Fundação assumiria a gestão do Serviço de Atendimento Médico de Emergência (Samu) do Município do Rio, o que de fato ocorreu no dia 19.

Além disso, segundo o planejamento oficial, esta semana a Fundação passaria a gerenciar o Hospital Estadual Alberto Torres, o Complexo João Cáffaro e a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Colubandê — mas quem assumiu foi a OS Ideas.

Foto: Divulgação/ Governo do Estado

Redação

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