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Corrupção chegou às quatro estrelas do Exército, diz historiador sobre suspeitas de venda de joias

As investigações da Polícia Federal sobre negociação de joias, relógios e outros presentes valiosos recebidos pelo governo Jair Bolsonaro, com a participação de militares graduados, é a confirmação, segundo o historiador Jorge Ferreira, de que a corrupção chegou às quatro estrelas do Exército Brasileiro.

“Antes ouvíamos falar de tenente-coronel, major. Agora soubemos que um general de quatro estrelas estava levando muamba para fora do Brasil, objetos que deveriam ser do patrimônio nacional, para fazer negócios. É estarrecedor”, afirmou Ferreira ao Valor. Ele é professor titular de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF), biógrafo do ex-presidente João Goulart e autor de livros sobre a ditadura militar (1964-85).

Jorge Ferreira se refere ao general do Exército Mauro César Lourena Cid, o pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, um dos alvos da operação da Polícia Federal (PF) realizada na manhã desta sexta-feira (11). Mauro Cid está preso desde maio, em Brasília, consequência das suspeitas de fraudes em cartões de vacinação.

Além de pai e filho, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra o tenente do Exército Osmar Crivelatti, que também é assessor do ex-presidente, e o advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro.

Segundo as investigações, essas pessoas participaram de negociação, venda ou recompra de itens valiosos recebidos por Bolsonaro ou por comitivas presidenciais de autoridades estrangeiras, em viagens internacionais, durante o seu governo.

“O que se sabia pela imprensa é que o pai de Mauro Cid estava muito triste pela situação do filho [preso desde maio]. Ele na verdade estava envolvido em tudo isso”, disse Ferreira. Ele destaca o episódio, que ainda está sob investigação, ressaltando o papel de instituições como Supremo Tribunal Federal (STF), PF e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

“As Forças Armadas já saem manchadas dessa associação com Bolsonaro. Mas venda de relógios e joias no exterior é muito grave. Ainda bem que temos um contraponto, senão as coisas continuariam debaixo do tapete.”

O professor da UFF lembra que a rede de proteção formada em torno do Exército é grande, com muitos outros oficiais que estiveram envolvidos em suspeitas, poupados. É o caso, por exemplo, do general Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde de Bolsonaro durante a pandemia. Após deixar o ministério, ele participou de um comício do então chefe, o que é vetado pelas regras militares. Mas Pazuello acabou poupado pelo comando da Força e não foi punido.

“Se o tenente-coronel Mauro Cid for expulso do Exército, por exemplo, a mulher dele vai continuar recendo salário, como se fosse pensão de viúva. O corporativismo é muito grande dentro das Forças Armadas. Mas, por outro lado, há um instinto de sobrevivência. Eles, os militares, precisam dar uma resposta. Há um limite”, respondeu.

Por meio de nota, o Exército afirma que acompanha e está colaborando com as investigações, mas não se manifestaria sobre as suspeitas apontadas pela PF. “É o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”, diz o texto. Ao final, o comunicado acrescenta que o Exército “não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”.

PF aponta uso de estrutura oficial

Presentes valiosos dados a presidentes da República devem ser informados a autoridades e incorporados ao acervo da União. Apenas itens de natureza personalíssima ou de consumo direto e de baixo valor (como roupas, alimentos e perfumes) podem ficar com os mandatários. Esse é o entendimento em vigor desde 2016, de acordo com normas estabelecidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A PF diz que os investigados são suspeitos de usar a estrutura do Estado para desviar bens de alto valor, o que pode configurar crimes como peculato e lavagem de dinheiro. Os citados na operação ainda não se manifestaram.

Ao justificar as operações de busca e apreensão realizadas nesta sexta, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, argumentou que a investigação ainda busca saber, por exemplo, a origem dos recursos utilizados na recompra das joias. Também quer identificar possíveis novos participantes no esquema.

“Há diversos fatos cujos esclarecimentos dependem de outras medidas investigativas, notadamente no que diz respeito à individualização da conduta dos novos agentes que seriam parte do esquema criminoso, apontados nesta representação pela Polícia Federal”, justificou Moraes na decisão.

Fonte: Valor Econômico

Redação

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