Jogo Sujo

Justiça do Amazonas suspende contrato para produção de carteira de identidade

Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas

TJ-AM identifica “indícios de fraude” e “possível dano ao erário” em licitação vencida pela Thomas Greg. Empresa apresentou proposta R$ 35 milhões mais alta do que a segunda colocada 

Já está mais do que na hora dos Tribunais de Contas e do Ministério Público investigarem a fundo a contratação de empresas para a produção de novas carteiras de identidade. Há mais um caso eivado de suspeições, desta vez no Amazonas. No último dia de 2022, o desembargador Henrique Veiga Lima, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, determinou, por meio de liminar, a suspensão do contrato firmado entre a Thomas Greg do Brasil e a Secretaria de Estado de Segurança Pública. A empresa iniciaria nesta semana a produção de documentos de identificação no Amazonas. No entanto, a Justiça identificou uma sucessão de fatos, no mínimo, estranhos na licitação realizada pelo governo do Amazonas, em setembro do ano passado, a começar pelos valores das propostas.

O edital da concorrência – para os serviços de emissão de carteira de identidade em papel, cartão e eletrônica, além de digitalização e digitação de documentos – previa que a proposta vencedora seria aquela com o menor preço global. Ocorre que da teoria à prática o que se viu foi a distância do Rio Amazonas. Das quatro concorrentes, a Thomas Greg apresentou o segundo maior preço (R$ 74,4 milhões), superado apenas pela última colocada do pregão. A companhia cobrou um valor superior ao das duas outras competidoras. Em relação à empresa que ficou em segundo lugar (R$ 38,5 milhões), o preço foi R$ 35 milhões mais alto. Ou seja: quase o dobro. Por uma dessas coisas um tanto quanto inexplicáveis – mas absolutamente decifráveis -, tanto a segunda quanto a terceira colocada na concorrência foram eliminadas, abrindo caminho para a vitória da Thomas Greg. A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas alegou “problemas documentais”.

Em seu despacho, o desembargador Henrique Veiga Lima foi categórico:

“Afigura-se ilegal a desclassificação de uma proposta 35 milhões mais barata, sem a oportunização de diligência adequada, com base em parâmetros não previstos no edital e ilegais, feita de forma precipitada e mal fundamentada”. O magistrado ressaltou o “possível dano ao erário com a adjudicação pela empresa declarada vencedora, sobretudo pelos valores apresentados na proposta”.

Em relação às concorrentes desclassificadas, afirma que “a falta de esclarecimentos razoáveis sobre a inabilitação realizada também causa estranheza, merecendo melhor ponderação do Poder Judiciário”. Em sua decisão, o desembargador chama a atenção também para possíveis ilicitudes no processo de licitação: “Há fortes indícios de fraude na prova de conceito, com a inserção de dados na madrugada do dia anterior à sessão pública de realização desta, conforme consta no relatório produzido pela própria Administração”. 

As estranhezas não param por aí. Há informações de que, na virada do ano, o Instituto de Identificação Aderson Conceição de Melo (IIACM), órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública do Amazonas e responsável pela emissão das carteiras de identidade do estado, acelerou o processo de transferência da produção do documento para a Thomas Greg. Isso mesmo após a decisão do desembargador Henrique Veiga Lima. A interpretação é que o governo do Amazonas estaria tentando criar um fato para alegar que o serviço de confecção das carteiras pela empresa não poderia mais ser interrompido, sob o risco de atraso na entrega dos documentos à população. Assim é se lhe parece.

É mais um capítulo nebuloso de uma história mal contada. A concorrência para a produção das carteiras de identidade do Amazonas é alvo de polêmica muito antes da recente decisão da Justiça. Em maio do ano passado, a licitação chegou a ser provisoriamente suspensa pelo auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) Mário Filho, por supostas irregularidades na condução do pregão.

Nova carteira de identidade nacional também é alvo de controvérsia 

A Thomas Greg também é personagem de outra história repleta de controvérsias, envolvendo a produção da nova Carteira de Identidade Nacional (CIN). Conforme o blog Jogo Sujo já informou, ao apagar das luzes do governo Bolsonaro, a Câmara Executiva Federal de Identificação do Cidadão (Cefic), órgão subordinado à Secretaria Especial de Modernização do Estado, por sua vez ligada à Secretaria Geral da Presidência, tentou acelerar a implantação dos critérios de segurança para a confecção do documento. Na prática, esses critérios acabam determinado as empresas aptas a produzir a carteira. Pelas normas que vinham sendo discutidas na Cefic, apenas duas empresas, a própria Thomas Greg e a Valid, atenderiam aos requisitos e estariam habilitadas a serem contratadas pelos 27 estados e mais o Distrito Federal. Com a mudança de governo, espera-se que essas regras sejam rediscutidas, com mais transparência.

Além disso, conforme este blog também noticiou na mesma matéria, a CIN está na mira do Ministério Público e de entidades representativas da comunidade LGBTQIA+ por violação dos direitos humanos. As normas em vigor estabelecem a obrigatoriedade de que a nova carteira traga o nome de registro como principal, mesmo quando a pessoa já utiliza um nome social em seus documentos atuais.

Redação

Comentar