Laranjeiras é endereço do Palácio Guanabara, onde despacha o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Em Botafogo, fica o Palácio da Cidade, local de trabalho do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Ambos os bairros, no entanto, estão entre os dez da capital fluminense com maior aumento dos roubos a pedestres, mostra o Mapa do Crime, do GLOBO. Nesse ranking de onde o risco anda à espreita nas ruas, há um total de cinco bairros da Zona Sul carioca — além dos dois que abrigam sedes do poder político, estão nele Lagoa, Urca e Flamengo. Todos são situados num raio de apenas três quilômetros, no coração de uma das áreas mais turísticas do Brasil, com cartões-postais como o Pão de Açúcar e o Aterro do Flamengo. A terceira reportagem da série baseada nos dados inéditos da ferramenta interativa do jornal é um mergulho no que explica esse fenômeno.
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Mudanças no policiamento da região e vias que servem de rota de fuga para ladrões são algumas das razões por trás da explosão de casos, afirmam especialistas, moradores e policiais. Se considerados só os bairros que, em 2024, tiveram ao menos dez registros do crime, Laranjeiras se torna, por sinal, o lugar onde os roubos a pedestres mais avançaram: 182%, de 50 casos em 2023 para 141 no ano passado. No vizinho Botafogo, o salto foi de 67,4% no mesmo período, passando de 390 casos para 653.
— Principalmente a população mais idosa passou a ter medo de sair à noite — conta Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Botafogo. — Muitas vezes, vem um bandido de moto na frente, para checar se tem policiamento no caminho. Se não houver, partem para ação — continua ela.
No Flamengo, onde se multiplicam os vídeos de câmeras de segurança com flagrantes da ousadia dos bandidos, não é diferente. O aumento dos roubos a pedestres foi de 76,2%, de 210 ataques reportados à polícia em 2023 para 370 no ano passado. Na Lagoa, a alta foi 137,9% (de 29 para 69 registros), e, na Urca, de 77,8% (de nove para 16). Esses cinco bairros apresentaram, no ano passado, recordes em quantidade de casos na série histórica, iniciada em 2020, dos roubos a transeuntes no Mapa do Crime. Foi um crescimento crucial para que a cidade do Rio experimentasse um aumento de 3,1% no indicador (de 17.895 para 18.452 ocorrências).
Uma das modalidades de roubo mais temidas na região é a abordagem de pedestres por adolescentes que agem em bandos. Em outubro de 2024, próximo à Praça Engenheiro Saião, em Botafogo, uma idosa foi vítima desse modus operandi. O grupo não estava armado, mas empurrou a vítima, que caiu no chão e teve um cordão de ouro roubado. Embora ferida no supercílio, na boca e no olho, ela foi à delegacia e identificou os suspeitos, apreendidos depois por PMs.
Num relatório de maio do ano passado, a Polícia Militar admitiu que se proliferavam no bairro os roubos sem uso de armas de fogo, como o sofrido pela idosa. Segundo exposto no documento, esse tipo de ação “dificulta a prisão em flagrante” nas ações preventivas. Outro método frequentemente mencionado pelos moradores é a de criminosos em motos, disfarçados de entregadores com mochilas térmicas de aplicativos.
Influência de mudança em Copacabana
Para policiais que atuam na região, a explosão de roubos, sobretudo, em Laranjeiras, Botafogo e Flamengo tem relação direta com mudanças na dinâmica de policiamento na Zona Sul a partir do fim de 2023. À época, Copacabana sofria uma crise de violência que ficou marcada pelo que ocorreu no show do DJ Alok, em agosto, na areia da praia. Após a apresentação, houve uma série de arrastões, que terminaram com mais de 500 suspeitos conduzidos a delegacias. Naquele ano, o bairro teve 577 roubos a transeunte e 456 roubos de celular, nas primeiras posições entre as áreas do Rio com mais casos dos dois crimes.
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O agravamento do quadro, a repercussão dos episódios de violência e a proximidade do réveillon e do megashow da estrela do pop Madonna — em maio de 2024 — mobilizaram o poder público, que intensificou o policiamento no bairro, com ampliação também do monitoramento por câmeras de segurança, algumas com tecnologia para reconhecimento facial.
— Copacabana passou a ter uma concentração enorme de policiais. Além de o bairro ter um batalhão só para ele, o 19º BPM, ainda conta com os efetivos da UPP do Pavão-Pavãozinho, de unidades especiais, como o BPTur (Batalhão de Polícia de Turismo) e o Recom (Rondas Especiais e Controle de Multidões), e do Rio Mais Seguro (programa de reforço de policiamento em Copacabana bancado pela prefeitura). Também tem o reforço do RAS (Regime Adicional de Serviço, o bico oficial da PM) nos fins de semana, voltado para a praia. Os criminosos sentiram essa diferença e migraram para outros bairros menos policiados — analisa um agente lotado no 2º BPM (Botafogo).
Resultado: em 2024, os indicadores despencaram em Copacabana, com redução de 48,5% nos roubos de celular e de 43,2% nos ataques a pedestres. Simultaneamente, os bairros vizinhos testemunharam a disparada nos roubos. Investigadores afirmam que, além de Flamengo, Botafogo e Laranjeiras, a migração também afetou os bairros da Santa Teresa e da Glória, onde os roubos a transeunte cresceram 77,4% e 62,9%, respectivamente.
— Enquanto isso, no 2º BPM (cuja área de policiamento inclui Botafogo, Laranjeiras, Flamengo, Glória, Catete, Cosme Velho, Humaitá e Urca), sofremos no ano passado com um troca-troca de comandantes. Nenhum teve condição de planejar e executar nada, porque, quando estava estudando a área, havia troca — acrescenta Regina Chiaradia.
Nessa região, uma das vítimas da escalada de roubos foi o personal trainer Luis Felipe Alves do Nascimento. No fim de 2023, ele já tinha sido assaltado perto do apartamento onde morava, na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, mesma rua do Palácio Guanabara. A amigos, ele contou ter ficado abalado, com medo de andar pela vizinhança. Mas seguiu a vida.
Em 5 de maio de 2024, passou a madrugada num luau com a namorada, Victoria Mendes, no Aterro do Flamengo. Na volta para casa, no início da manhã, o casal atravessava as pistas da Praia do Flamengo quando dois homens, numa moto, encostaram e anunciaram o roubo. Victoria respondeu que não tinha nada com ela. Irritado, o homem na garupa sacou uma arma e apontou na direção do rosto da mulher. Luis Felipe interveio e entrou em luta corporal com o criminoso. Até que, no meio da briga, foi atingido por dois tiros, no pescoço e na barriga. O jovem ainda foi levado ao hospital, mas não resistiu e morreu. O roubo virou latrocínio.
Mais de um ano depois do crime, a mãe do jovem, Antonia Divania Araújo Alves, vai toda segunda-feira ao cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, para visitar o túmulo de seu único filho.
— Quase todos os dias, tenho que passar pelo local onde ele foi morto. É muita dor. É difícil recomeçar — desabafa Antonia.
Passagens subterrâneas e saídas de shoppings
Mapeamentos internos do 2º BPM (Botafogo) revelam onde os roubos a transeuntes ocorrem com mais frequência. Segundo o levantamento, concentram-se na orla dos bairros, em “pontos quentes” que vão do Shopping Rio Sul até a Marina da Glória. Em Botafogo, os crimes se acumulam em pontos de ônibus e passagens subterrâneas sob a Avenida das Nações Unidas, sobretudo, nas proximidades do Botafogo Praia Shopping. Já no Flamengo, os registros são mais comuns na Avenida Rui Barbosa e no Aterro do Flamengo, na altura da Rua Paissandu.
Já o horário mais perigoso para circular nos dois bairros é à noite: em 2024, 154 (ou 41%) dos 370 roubos a pedestres no Flamengo aconteceram entre 20h e 23h. O intervalo também concentra 28% de todos os casos que aconteceram em Botafogo.
O aumento da violência já obriga moradores a alterarem suas rotinas. A advogada Tatiana Lilian gostava de correr ou pedalar na Enseada de Botafogo e no Aterro. Mas o medo a fez desistir das atividades ao ar livre. Em setembro passado, ela foi abordada por um grupo de adolescentes na Enseada de Botafogo. Ela sofreu uma pancada em sua nuca, se desequilibrou e, no chão, perdeu bolsa, celular, cordão e bicicleta. A Polícia Militar conseguiu apreender dois suspeitos, mas o terceiro fugiu.
— Cerca de um mês antes, uma amiga e eu já tínhamos sofrido uma tentativa de assalto com faca na ciclovia em direção ao Aterro. Agora, comprei uma bicicleta ergométrica, e meu esporte passou a ser com a vista apenas da janela de casa — conta.
Ao longo dos últimos cinco anos, o 2º BPM até teve um aumento na quantidade de agentes que atuam no policiamento ostensivo: de 205 PMs em 2020 para 233 em 2025. Como esses policiais atuam em turnos, no entanto, a cada dia são pouco mais de 50 agentes nas ruas. A própria PM admite que o número não é suficiente. Em abril passado, o tenente-coronel Sérgio Bonato, comandante da unidade, enviou um ofício a seu superior para a instalação de uma base do programa Segurança Presente no Flamengo. Ele alegou que a região, “em que pese a atuação do RAS por parte do atual comando, tem um efetivo policial aquém do necessário”.
Como argumentos para a implantação da nova base, o oficial alegou que a área sob responsabilidade do batalhão “possui inúmeros acessos e saídas, dentre eles o Túnel Marcello Alencar, Avenida Infante Dom Henrique, Avenida Beira-Mar, Túnel Santa Bárbara, Túnel Rebouças e Rua Alice”. Essas vias, diz o documento, “são utilizadas como rota de acesso ou fuga nas descrições dos relatos pelas vítimas”. O pedido do tenente-coronel ainda tramita na PM. Ao mesmo tempo, moradores do Flamengo reclamam que vive vazia uma cabine da polícia na Praça José de Alencar, inaugurada com pompas em 2023, com a promessa de funcionar 24 horas.
Em outro ofício, enviado em março ao Tribunal de Justiça do Rio, Bonato solicitou ajuda para o conserto de viaturas. O documento, direcionado ao 2º vice-presidente do TJ, Marcelo Rubiolli, pede “auxílio na manutenção de viaturas operacionais, tanto na reposição de peças, quanto na prestação de serviços especializados de mecânica, com objetivo de aumentar a capilaridade do POO (Policiamento Ostensivo Ordinário) e POE (Policiamento Ostensivo Extraordinário)”.
Estratégia de enfrentamento
Para fazer frente ao aumento nos roubos de rua, a PM afirma apostar na atuação do novo Batalhão Tático de Motociclistas (BTM), inaugurado em outubro do ano passado e localizado no mesmo quartel que abriga o Batalhão de Choque, no Centro. A unidade tem uma frota de 210 motocicletas — 170 para o patrulhamento da cidade e 40 para o serviço de escoltas. E o roteiro das equipes na rua é feito diariamente com base na leitura da mancha criminal, ou seja, as motos patrulham as áreas com maior incidência de crimes. Segundo a corporação, nos horários de maior fluxo no trânsito, o tempo de deslocamento das motocicletas chega a ser 50% menor que uma viatura convencional.
— Criamos esse batalhão justamente porque percebemos uma incidência muito grande de uso de motos em roubos de rua — afirma o secretário estadual de Segurança, Victor César dos Santos. — A polícia precisa ter a mesma capacidade de mobilidade do criminoso, que anda na contramão, sobe a calçada, passa pela passarela — argumenta ele.
Em 10 meses em atividade, a unidade prendeu 340 pessoas, recuperou 265 veículos e apreendeu 30 armas.
Para a polícia, os roubos a transeunte, ou a pedestre, englobam casos de subtração de qualquer bem (bolsas, carteiras e joias, entre outros), com ameaça ou violência, enquanto a vítima caminha pela rua. Quando um aparelho telefônico é o alvo do criminoso, porém, o caso é registrado como roubo de celular. No Mapa do Crime, o ranking dos dez bairros em que os ataques as pedestres mais aumentaram estão ainda Senador Vasconcelos e Vila Militar, na Zona Oeste; Parada de Lucas, na Zona Norte; e Santa Teresa e Estácio, na região central da cidade.
No caso de Luis Felipe, em novembro de 2024, a Polícia Civil anunciou a apreensão de um adolescente de 17 anos, apontado como o responsável por disparar contra o jovem. Ele cumpriu medida socioeducativa de internação e, em fevereiro deste ano, o processo contra o adolescente foi arquivado, após o cumprimento da medida. A investigação da polícia concluiu que mais dois homens participaram do crime. Além do piloto da moto, também havia um “batedor”, em um outro veículo, flagrado por câmeras de segurança ajudando a dupla de assaltantes a escolher vítimas e dando cobertura na fuga. Até hoje, nenhum dos dois foi preso.
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